O MEU SONHO CAPIXABA
Pedro Sevylla de Juana
Meu sonho capixaba é um poema de quatrocentos versos, escrito de um puxão em língua portuguesa. Necessitei vinte dias, pesquisa incluída, para ter o texto completo; e outros dez para o corrigir. É necessário dizer que trabalhava durante o dia e parte da noite.
Minha imersão foi tão profunda, que cheguei a pensar em português; algo que nunca tinha ocorrido. O traduzi para o espanhol, tentando conseguir o ritmo próprio do idioma, em dois dias. E todo isso por quê? Acho que a razão é que me senti capixaba por cima de fronteiriço.
O MEU SONHO CAPIXABA
Passava eu o tempo me alimentando
de história, geografia e literatura,
de uma terra mais interessante
que nenhuma outra. Eram dias
e noites de trabalho intenso,
comendo e dormindo menos que um sabiá.
Olhando as estrelas para
as individualizar e as reconhecer,
caí num sono profundo com a cabeça
apoiada na mesa do jardim.
Tudo começa quando o planeta Terra
se torna habitável,
recebendo nos meteoritos a essência
e os primeiros indícios
da vida mais singela.
Logo aconteceu o período Cambriano,
lá na era Paleozoica,
faz disso
quinhentos milhões
de anos,
quando a existência estourou na totalidade
produzindo
a gigantesca explosão de vida
da que tanto se escreveu.
Eu era um trilobita
naquela época remota,
artrópode de três lóbulos, que,
certamente,
tinha visto com grande interesse,
já fossilizado, na aula de ciências
naturais do colégio La Salle.
Vivia fazendo amigos na água
para me defender dos inimigos,
ignorando que, fora,
a vida não seria possível
até que a camada de ozônio alcançasse
uma espessura suficiente
para deter as radiações solares
mais perigosas.
Estando no período Devônico
-abro um parêntese para dizer
que vem o nome do condado de Devon,
próximo a Cornwall,
onde passei um verão
estudando inglês com meus filhos-
assim pois, no Devônico
vejo deslizar mansamente,
ainda ingênuo, o primeiro entardecer
de uma solene primavera,
sossego indescritível
roto pelo ritmo inarmônico
do incremento e desaparição
das espécies evolutivas.
Enquanto eu salto da estrofe anterior
transcorrem centenas de milhões de anos,
e depois de esse lapso
a Terra muda na sua totalidade.
Os movimentos das placas tectônicas
sobre o manto
desfazem a crescida Pangeia,
estabelecendo ao sul
um supercontinente
conhecido como Gonduana.
Uma parte formidável dele
é o intrincado labirinto de possibilidades
que agora se chama Brasil.
A terra fecunda atravessada
por um casal de colibris,
atual Estado de Espírito Santo,
só era um campo carecente de frutos,
nem sequer os que produziriam
no seu momento
os melhores açúcar e café do mundo.
Na borda contemplo uma ilha alta e formosa
de origem vulcânica.
Há lava ardente no seu interior
embora não tenha nome ainda.
Emergindo da água mais próxima
aparece um promontório granítico
que algum de nós denominou
Penedo.
Pois bem,
no topo do Penedo
éramos quatro líricos épicos
sentados em círculo.
Cordados entusiastas do equilíbrio e da harmonia,
os quatro sonhadores intentávamos
produzir uma música espontânea
que, com algo de choro,
decidimos chamar Samba.
Joaquim Machado de Assis,
autodidata de vivo engenho,
vida plácida de literato grande,
superioridade intelectual,
serenidade e firmeza num rosto
cercado pela linha do cabelo,
barba e bigode crescidos,
lhe interessava tudo, admirava a Carola,
e vindo de baixo
chegou a ser o primeiro presidente
da Academia
Brasileira de Letras.
Hilda Hilst
filha única e aluna de internato,
a verdade, o amor, a liberdade e a dita,
ressoavam nela como palavras crescidas na cume
das nuvens inacessíveis.
Necessitava ser feliz
e a felicidade e o desejo,
horizonte atrás do horizonte,
brincavam com ela às escondidas.
Entroncada no tempo e no espaço,
catarata intermitente, égua alada
e bandeira ondeando agitada de dúvidas,
seu instante arderá
indefinidamente.
Antônio de Castro Alves,
cabeleira ao vento reclamando
liberdade e justiça para os oprimidos
-mocidade e morte-
vinte e quatro anos de existência,
vividos com intensidade poética admirável,
lhe bastaram para deixar
uma inspirada obra em duas vertentes,
épica e lírica,
complementares.
Sobre o já Penedo,
perto da não Vitória ainda
mas sempre ilha acolhedora,
no anoitecer quieto
quebrado pela indómita perseverança
do tempo transcorrendo e transcorrendo,
os quatro vates donos de uma
irreprimível paixão criadora,
soprávamos música na trombeta
de quem ia ser meu amigo Satchmo.
É fácil compreender
que o Penedo é para a Ilha
o que a Ilha é para o Brasil e o Continente:
sentinela da entrada,
defesa
e farol.
O sonho despreza a ordem
e distorce a continuidade do tempo,
mas é verdade que
há cinquenta mil anos
na garganta dos humanos nasceu a palavra,
e quando a palavra foi
a palavra tupi explicou a beleza
descoberta pelos cinco sentidos
e a intuída,
acrescentando as experiências próprias,
as ouvidas e as imaginadas.
A difusão oral de contos e estórias
entre os tupiniquins será,
por consequência, rica e proveitosa.
Tanto é assim que, segundo Elpídio Pimentel,
até o Penedo falava
contando às pessoas
saborosas histórias capixabas.
Embora a relação
paterno-filial do autor com a sua obra
não se afiançará até chegar a escrita.
Depois de ler o pensamento
de Policarpo Quaresma,
filho intelectual de Lima Barreto,
achei muito laudável
que o Padre Anchieta começara
a escrever a língua tupi.
Penso que, se o Reformista
no tivesse substituído inteiramente
o uso do Nheengatu
pelo português,
as duas línguas ainda conviveriam
se fortalecendo;
de modo que os escritores profissionais
chegado o ano mil novecentos
e vinte e um, se reuniriam no mesmo
Clube Boêmios
para instituir a Academia
Espírito-santense de Letras.
A erosão e o homem lhe foram tirando
e tirando,
mas então era mais alto o Rochedo,
mais dilatado, maior;
por isso pude me encontrar ali
com escritores amigos:
_____Garota de Sacramento,
mulher de favela,
saiu teu livro desse Quarto de Despejo,
voou alto e longe, pombinha mensageira,
choveu o dinheiro em forma de dilúvio universal
e te chegou na distribuição
uma parte pequena.
_____Discutíamos Ester Abreu e eu
sobre alguns aspectos confusos de Don Juan
baixando aos infernos
para surgir de novo
andrógino,
triunfante,
celestial.
_____Miscigenação. Diz de mim Gilberto
de Mello Freyre, que sou a afortunada conjunção
de origens miscíveis, de misturadas culturas;
e assegura que é a mestiçagem
o princípio do progresso progressivo
e a constante dos avanços todos.
_____ Desenvolviam-se o sonho e o sono
intemporais
ou com os tempos misturados,
num Sertão imaginário
que,
partindo de Euclides da Cunha, Graciliano
Ramos, Guimarães Rosa
e Jô Drumond,
era a soma de todos os Sertões:
arideces existenciais, aleph,
vidas secas,
imaginação e utopia.
Fronteiriço eu, estava no centro
quando pude contemplar desde o Penedo,
trezentos e sessenta graus ao redor,
os trigais,
mar de primavera em Valdepero, ermida
de San Pedro e da Virgen del Consuelo,
castelo, arco da muralha,
colegiada de Husillos, sítios históricos de Muqui
e São Mateus,
Santuário de Nossa Senhora da Penha
e frei Pedro Palácios na gruta,
estações de Marechal Floriano e Matilde,
os troncos erguidos
e firmes da Mata Atlântica Capixaba,
a Pedra Soares de Ponto Belo.
Fazia calor e chovia.
Eu vi abaixo o alentejano Vasco
Fernandes Coutinho na Prainha,
desembarcando da nau Gloria
com a decidida intenção de estabelecer
a Vila do Espírito Santo e, depois,
Vila Nova de ser necessário
como aconteceu logo
com ajuda dos indígenas tupiniquins.
O sonhei desse jeito
ao contemplar seu marcial porte,
adereços de gala,
em um retrato majestoso
do acervo da Casa da Memória
em Vila Velha.
Acho que observei, estou convencido,
o Padre José de Anchieta
caminhando catorze léguas
pelo caminho da praia,
desde Reritiva até Vitória,
onde se alçavam a igreja e o colégio
de São Tiago.
Vivi o momento prateado da vertigem
na Ladeira de Pelourinho em Vitória.
Maria Ortiz se fiz heroína
-madeira em chamas, pedras, agua fervente-
ardor e coragem contagiosos
contra os atacantes
holandeses.
Alagava o sol minhas pupilas,
não obstante, pude pensar
que é obrigação do escravo escapar,
e de quem assina um contrato
conseguir que se cumpra
do princípio ao fim
no tempo acordado.
Pelo que tenho lido de Afonso Cláudio,
que se tornou abolicionista em Recife,
efeito natural e lógico;
e o que ouvi da boca do protagonista quando
desde Mestre Álvaro chegou a meu amado Rochedo,
Elisiário escapou da morte pela audácia
de sua vontade indomável.
Ide a Queimado, em Serra,
vereis que aí estão,
ainda firmes, os restos da igreja
lembrando -causa e consequência-
os inolvidáveis acontecimentos.
Elos de uma cadeia inacabável,
os anos chegam
a mil novecentos e vinte e dois
quando,
Amazônia cultural com a força
de um período geológico,
Brasil dá à luz
o Modernismo.
Leitor fascinado desde a infância,
no Penedo leio a revista Klaxon
junto a Mario e Oswald de Andrade,
confidência do Itabirano Carlos
Drummond, também de Andrade,
Pagu, Tarsila e Bandeira;
sete amantes
da liberdade e da renovação
escrevendo, pintando, ruas cheias de gente,
pessoas que saem das casas
e caminham pelos povos
e pelas cidades,
falando de suas coisas em sua linguagem clara.
Abaporú e Antropofagia, potência
para impulsionar A máquina do mundo
que transportará o Brasil ao mundo
com o mundo.
Penso em Pagu no Largo de São Francisco.
A inteligente, bela e forte lutadora,
saia azul e branca de normalista,
lábios pintados de roxo,
caminho à Escola Normal onde aprendia,
chamava a atenção dos estudantes
da Faculdade de Direito.
Amei a Pagu ao ler Parque Industrial,
ainda a amo.
Eu queria escrever
um soneto com o conteúdo deste poema;
pois sei
que o soneto, mais que diamante literário
é turmalina de Paraíba.
Contudo
o soneto exige a perfeição
para alcançar seu efeito mais atraente.
Estamos em terra de sonetistas,
tenho na minha memória exemplos
como os de Beatriz Monjardin
em Floradas de inverno
mais os de Ainda o soneto de Athayr Cagnin
ou os Sonetos insones de Matusalém
Dias de Moura.
Em consequência,
o soneto foi descartado
dada minha incapacidade manifesta.
Nas escritoras capixabas pretendo
homenagear as mulheres
que tiveram
obstáculos de toda espécie
para desembrulhar sua paixão criadora e,
perseverantes, os venceram.
Adelina Tecla Correia Lyrio, capixaba
desde o ano 1863,
foi avançada na publicação de
poemas próprios em jornais,
participando nas campanhas abolicionistas
e nos saraus literários onde
se declamavam poemas
escritos pelas mulheres.
Haydée Nicolussi,
nascida em Alfredo Chaves no ano 1905,
com produção literária reconhecida
em todo o país,
“originalidade de estilo e audácia de ideias”,
publicou o livro Festa na sombra, depois
de sair da cadeia acusada
de ter participado na Revolta Vermelha
a favor da reforma agrária.
Maria Antonieta de Siqueira Tatagiba,
de São Pedro de Itabapoana,
nascida em 1916 morreu na idade
dos elegidos, trinta e três anos.
Dificuldades económicas a impediram
seguir os estudos de medicina.
Foi a primeira mulher
capixaba
em publicar um livro.
Divulgou, em 1927, Frauta agreste,
de poesia rítmica cheia de beleza.
“A Natureza toda é frescor, louçania…”
Maria Bernardette Cunha de Lyra,
nascida em Conceição da Barra
no ano 1938,
ocupa a cadeira número 1 da Academia
Espírito-santense de Letras,
tem publicada uma obra copiosa e magnífica
onde ilumina as mulheres
e o mundo feminino.
E assim, há outras autoras,
capixabas de raiz, coração ou pensamento,
muito valiosas.
Devo dizer, que entendo
vasos comunicantes dum todo intelectual,
a UFES, mãe nutrícia, as Academias,
o IHGES e a Biblioteca Pública Estadual;
a colaboração faz importantes
ao conjunto
e às partes.
Nestes tempos de incerteza,
ano dois mil e vinte,
quando a pandemia abate as pessoas
em várias vertentes,
Ester Abreu assume a presidência
da Academia Espírito-santense de Letras,
instituição sólida que pronto
cumprirá cem anos.
A mesma Ester
o dez de agosto convoca a reunião
dos acadêmicos de cadeira
e membros correspondentes.
Por isso, todos nós,
para evitar o maior contágio de lugar fechado,
deixamos momentaneamente
a sede da Casa Kosciuszko Barbosa Leão
e ocupamos o Penedo às dezoito horas,
vestindo máscara facial
e mantendo a distância social preventiva.
Tratados os assuntos comuns
cada um fala dos seus trabalhos atuais
e dos propósitos
para um futuro que não mostra a nariz.
Eu exponho a minha conclusão.
Filosofia, metafísica, teosofia, naturalismo,
sociologia, psicologia: entendo a espécie
humana no conjunto e nas partes:
homo homini lupus; amor, primeira
força
metafórica.
Estou bem preparado: me disse.
Mas, ¿sei aonde vou?
Não estou seguro, embora este sonho
quiçá marque o caminho.
No alto da coluna do Penedo,
ao modo de São Simão o Estilita,
deixo o relato de meu sonho capixaba
para que vocês,
se esse é seu gosto,
possam interpretá-lo.
PSde J, Vitória ES, através dos séculos.
MI SUEÑO CAPIXABA
Pedro Sevylla de Juana
Mi sueño capixaba es un poema de cuatrocientos versos, escrito de un tirón en lengua portuguesa. Tardé veinte días, investigación incluida, en tener el texto completo; y otros diez en corregirlo. Es necesario añadir que trabajaba durante el día y parte de la noche. Mi inmersión fue tan profunda que llegué a pensar en portugués; algo que nunca había ocurrido. En dos días lo traduje al castellano, tratando de conseguir el ritmo propio del idioma. Y todo ¿por qué? La razón, creo, es que me sentí capixaba por encima de fronterizo.
MI SUEÑO CAPIXABA
Pasaba el tiempo alimentándome
de historia, geografía y literatura,
de una tierra más interesante que ninguna otra.
Eran días y noches de trabajo intenso,
comiendo y durmiendo menos que un saviá.
Mirando las estrellas para individualizarlas y reconocerlas,
caí en un sueño profundo con la cabeza
apoyada en la mesa del jardín.
Todo comienza cuando el planeta Tierra
se torna habitable,
recibiendo en los meteoritos la esencia
y los primeros indicios
de la vida más sencilla.
Luego sucedió el período Cámbrico,
allá en la era Paleozoica,
hace de eso
quinientos millones de años,
cuando la existencia estalló en su totalidad
produciendo
la gigantesca explosión de vida
de la que tanto se ha escrito.
Yo era un trilobites
en aquella época remota,
artrópodo de tres lóbulos, que,
ciertamente,
había visto con gran interés,
ya fosilizado, en la clase de ciencias
naturales del colegio La Salle.
Vivía haciendo amigos en el agua
para defenderme de los enemigos,
ignorando que, fuera,
la vida no sería posible
hasta que la capa de ozono alcanzara
un espesor suficiente
para detener las radiaciones solares
más peligrosas.
Estando en el período Devónico
-abro un paréntesis para decir
que viene el nombre del condado de Devon,
próximo a Cornwall, donde pasé un verano
estudiando inglés con mis hijos-
así pues, en el Devónico
veo deslizarse mansamente,
aún ingenuo, el primer atardecer
de una solemne primavera,
silencio indescriptible
roto por el ritmo inarmónico
del incremento y desaparición
de especies evolutivas.
Mientras salto de la estrofa anterior
pasan cientos de millones de años,
y después de ese lapso
la Tierra cambia del todo.
Los movimientos de las placas tectónicas
sobre el manto
deshacen la crecida Pangea,
estableciendo al sur un continente inmenso
conocido como Gondwana.
Una parte formidable de él
es el intrincado laberinto de posibilidades
que ahora se llama Brasil.
La tierra fecunda cruzada por una pareja
de colibríes,
actual Estado de Espíritu Santo,
solo era un campo carente de frutos,
ni siquiera aquellos que producirían
en su momento
los mejores azúcar y café del mundo.
En el borde contemplo una isla alta y hermosa
de origen volcánico.
Hay lava ardiente en su interior
aunque carezca aún de nombre.
Emergiendo del agua más cercana
aparece un promontorio granítico
que alguno de nosotros denominó
Peñedo.
Pues bien,
en la cima de la roca
éramos cuatro líricos épicos
sentados en círculo.
Cordados entusiastas del equilibrio y la armonía,
los cuatro soñadores intentábamos
producir una música espontánea
que, con algo de choro,
decidimos llamar Samba.
Joaquim Machado de Assis,
autodidacta de vivo ingenio,
vida plácida de literato grande,
superioridad intelectual,
serenidad y firmeza en un rostro
rodeado por la línea del cabello,
barba y bigotes crecidos,
le interesaba todo, admiraba a Carola,
y viniendo de abajo
llegó a ser el primer presidente
de la Academia
Brasileira de Letras.
Hilda Hilst
hija única y alumna de internado,
la verdad, el amor, la libertad y la dicha,
resonaban en ella como palabras crecidas en lo alto
de las nubes inaccesibles.
Necesitaba ser feliz
y la felicidad y el deseo,
horizonte detrás del horizonte,
jugaban con ella al escondite.
Entroncada en el tiempo y en el espacio,
catarata intermitente, yegua alada
y bandera ondeando agitada de dudas,
su instante arderá
indefinidamente.
Antonio de Castro Alves,
cabellera al viento reclamando
libertad y justicia para los oprimidos
-mocidade e morte-
veinticuatro años de existencia,
vividos con intensidad poética admirable,
le bastaron para dejar
una inspirada obra en dos vertientes,
épica y lírica,
complementarias.
Sobre el ya Peñedo,
cerca de la no Vitória todavía
pero siempre isla acogedora,
en el tranquilo anochecer
roto por la indómita perseverancia
del tiempo transcurriendo y transcurriendo,
los cuatro vates dueños de una
irreprimible pasión creadora,
soplábamos música en la trompeta
de quien iba a ser mi amigo Satchmo.
Es fácil comprender
que el Peñedo es para la Isla
lo que la Isla es para Brasil y el Continente:
centinela de la entrada,
defensa
y faro.
El sueño desprecia el orden
y tergiversa la continuidad del tiempo,
pero es cierto que hace cincuenta mil años
en la garganta de los humanos nació la palabra,
y cuando la palabra fue
la palabra tupí explicó la belleza
descubierta por los cinco sentidos
y la intuida,
añadiendo las experiencias propias,
las oídas y las imaginadas.
La difusión oral de cuentos e historias
entre los tupiniquins
será, por consiguiente, rica y provechosa.
Tanto es así que, según Elpídio Pimentel,
hasta O Penedo hablaba,
contando a las personas
sabrosas historias capixabas.
Aunque la relación paterno-filial
del autor con su obra no se afianzará
hasta llegar la escritura.
Después de leer el pensamiento
de Policarpo Cuaresma,
hijo intelectual de Lima Barreto,
me pareció muy encomiable
que el Padre Anchieta comenzara
a escribir la lengua tupí.
Pienso que, si el Reformista no hubiera
sustituido completamente
el uso del Nheengatu por el portugués,
las dos hablas aún convivirían
fortaleciéndose;
de modo que los escritores profesionales,
llegado el año mil novecientos veintiuno,
se habrían reunido
en el mismo Club Boémios
para fundar la Academia
Espíritu-santense de Letras.
La erosión y el hombre fueron quitando
y quitando,
pero entonces era más alto el Roquedo,
más dilatado, mayor;
por eso pude encontrarme allí
con escritores amigos:
_____Muchacha de Sacramento,
mujer de favela,
salió tu libro de ese Quarto de Despejo,
voló alto y lejos, palomita mensajera,
llovió el dinero en forma de diluvio universal
y te llegó en la distribución
una parte pequeña.
_____Discutíamos Ester Abreu y yo
sobre algunos aspectos confusos de Don Juan
bajando a los infiernos
para surgir de nuevo
andrógino,
triunfante,
celestial.
_____Miscigenação. Dice de mí Gilberto
de Mello Freyre, que soy la afortunada conjunción
de orígenes miscibles, de mezcladas culturas;
y asegura que es el mestizaje
el principio del progreso progresivo
y la constante de los avances todos.
_____ Se desarrollaban el sueño y el ensueño
intemporales
o con los tiempos mezclados,
en un Sertão imaginario
que,
partiendo de Euclides da Cunha, Graciliano
Ramos, Guimarães Rosa
y Jô Drumond,
era la suma de todos los Sertões:
arideces existenciales, aleph,
vidas secas,
imaginación
y utopía.
Fronterizo yo, estaba en el centro
cuando pude contemplar desde el Peñedo,
trescientos sesenta grados alrededor,
los trigales
mar de primavera en Valdepero, ermita
de San Pedro y de la Virgen del Consuelo,
castillo, arco de la muralla,
Colegiata de Husillos, sitios históricos de Muqui
y São Mateus,
Santuário de Nossa Senhora da Penha
y fray Pedro Palacios en la gruta,
estaciones de Marechal Floriano y Matilde,
los troncos erguidos y firmes de la Mata Atlántica Capixaba,
la Pedra Soares de Ponto Belo.
Hacía calor y llovía.
Vi abajo al alentejano Vasco
Fernandes Coutinho en la Prainha,
desembarcando de la nave Gloria
con la decidida intención de establecer
la Vila do Espírito Santo y, después,
Vila Nova de ser necesario
como sucedió luego
con la ayuda
de los indígenas tupiniquim.
Lo soñé de esa manera
al contemplar su porte marcial,
vestimenta de gala,
en un retrato majestuoso
del acervo de la Casa da Memória
en Vila Velha.
Creo que observé, estoy convencido,
al Padre José de Anchieta caminando
catorce leguas
por el camino de la playa,
desde Reritiva hasta Victoria,
donde se alzaban la iglesia y el colegio
de Santiago.
Viví un momento plateado del vértigo,
Ladeira de Pelourinho en Vitória.
María Ortiz se hizo heroína
-madera en llamas, piedras, agua hirviendo-
ardor y coraje contagiosos
contagiados
contra los atacantes holandeses.
Inundaba el sol mis pupilas,
no obstante, pude pensar
que es obligación del esclavo escapar,
y de quien firma un contrato
conseguir que se cumpla
de principio a fin
en el tiempo acordado.
Por lo que he leído de Afonso Cláudio,
que se hizo abolicionista en Recife,
efecto natural y lógico;
y lo que oí de la boca del protagonista cuando
desde Mestre Álvaro llegó a mi amado Roquedo,
Elisiário escapó de la muerte por la audacia
de su voluntad indomable.
Id a Quemado, en Serra,
veréis que allí están,
aún firmes, los restos de la iglesia
recordando -causa y consecuencia-
los inolvidables acontecimientos.
Eslabones de una cadena inacabable,
los años llegan
a mil novecientos veintidós
cuando,
Amazonía cultural con la fuerza de un período geológico,
Brasil da a luz
el Modernismo.
Lector fascinado desde la infancia,
en el Peñedo leo la revista Klaxon
junto a Mario y Oswald de Andrade,
confidência do Itabirano Carlos
Drummond, también de Andrade,
Pagu, Tarsila y Bandera;
siete amantes
de la libertad y de la renovación
escribiendo, pintando, calles llenas de gente,
personas que salen de las casas
y caminan por los pueblos
y las ciudades
hablando de sus cosas en su lenguaje claro.
Abaporú y Antropofagia, potencia
para impulsar A máquina do mundo
que transportará Brasil al mundo
con el mundo.
Pienso en Pagu, Largo de São Francisco.
La inteligente, bella y fuerte luchadora,
falda azul y blanca de normalista,
labios pintados de color púrpura,
camino de la Escuela Normal donde aprendía
llamaba la atención de los estudiantes
de la Facultad de Derecho.
Amé a Pagu cuando leía Parque Industrial,
aún la amo.
Yo quería escribir
un soneto con el contenido de este poema;
pues sé
que el soneto, más que diamante literario,
es turmalina de Paraíba.
Sin embargo,
el soneto exige perfección
para lograr su efecto más atractivo.
Estamos en tierra de sonetistas,
tengo en mi memoria ejemplos
como los de Beatriz Monjardin
en Floradas de inverno
más los de Ainda o soneto de Athayr Cagnin
o los Sonetos insones de Matusalén
Dias de Moura.
En consecuencia,
el soneto fue descartado
dada mi incapacidad manifiesta.
En las escritoras capixabas pretendo
homenajear a las mujeres
que tuvieron
obstáculos de toda especie
para desenredar su pasión creadora y,
perseverantes,
los vencieron.
Adelina Tecla Correia Lyrio,
capixaba desde el año 1863,
fue avanzada de la publicación de poemas
en los periódicos,
participando en campañas abolicionistas
y en fiestas literarias donde
se declamaban poemas
escritos por las mujeres participantes.
Haydée Nicolussi, nacida en Alfredo Chaves
el año 1905, es dueña
de una producción literaria reconocida
en todo el país.
«Originalidad de estilo y audacia de ideas»,
publicó el libro Festa na sombra, después
de salir de la cárcel, acusada
de haber participado en la «revuelta roja»
a favor de la reforma agraria.
María Antonieta de Siqueira Tatagiba,
de San Pedro de Itabapoana,
nacida en 1916 murió a la edad
de los elegidos, treinta y tres años.
Dificultades económicas le impidieron
seguir los estudios de medicina.
Fue la primera mujer
capixaba
en publicar un libro.
Divulgó, en 1927, Frauta agreste,
de poesía rítmica llena de belleza.
«La Naturaleza toda es frescura, lozanía…»
Maria Bernardette Cunha de Lyra,
nacida en Conceição da Barra
en el año 1938,
ocupa la silla número 1 de la Academia
Espíritu-santense de Letras,
ha publicado una obra copiosa y magnífica
donde ilumina a las mujeres
y al mundo femenino.
Y así, hay otras autoras,
capixabas de raíz, corazón o pensamiento,
ciertamente valiosas.
En estos tiempos de incertidumbre,
año dos mil veinte,
cuando la pandemia abate a las personas
en varias vertientes,
Ester Abreu asume la presidencia
de la Academia Espíritu-santense de Letras,
institución sólida que pronto
cumplirá cien años.
La misma Ester
el día diez de agosto convoca la reunión
de los académicos de silla
y miembros correspondientes.
Por eso, todos nosotros,
para evitar el mayor contagio de lugar cerrado,
dejamos momentáneamente
la sede de Casa Kosciuszko Barbosa Leão
y ocupamos el Peñedo a las 18 horas,
vistiendo máscara facial
a más de mantener la distancia preventiva.
Tratados los asuntos comunes,
cada uno habla de sus trabajos actuales
y de los propósitos
para un futuro que no muestra la nariz.
Yo expongo mi conclusión.
Filosofía, metafísica, teosofía, naturalismo,
sociología, psicología: entiendo la especie
humana en conjunto y en las partes:
homo homini lupus; amor, primera
fuerza
metafórica.
Estoy bien preparado: me dije.
Pero, ¿sé adónde voy?
No estoy seguro, aunque este sueño
quizás marque el camino.
En lo alto de la columna del Peñedo,
al modo de San Simón el Estilita,
dejo el relato de mi sueño capixaba
para que ustedes,
si ese es su gusto,
puedan interpretarlo.
PSdeJ, Victória ES, a través de los siglos.
____========____
pedrosevylla.com/elevado-vuelo-del-velero-nova/
AEL, os primeiros cem anos
Pedro Sevylla de Juana
Escritor espanhol membro correspondente da AEL e Prêmio Internacional Vargas Llosa de romance. Tem vinte e oito livros publicados.
O Céu é o leito quente no inverno,
o lar familiar da infância, o útero materno.
O Céu é o amor correspondido e a felicidade.
Não está no alto. CGC 1981
Perante a dúvida,
vou comprovar a afirmação do meu heterónimo.
Subirei, subirei e subirei. PSdeJ 2020
ONTEM
O assunto começa no dia em que inicio a ascensão. Vou surcando o céu com o veleiro de três mastros, chamado Nova Era, de meu longo poema elíptico; indo em ziguezague à velocidade do pensamento. Chegado aos impossíveis confins do espaço, compreendo que todo o Céu é só um inacabável fervedouro de estrelas escapando dos buracos negros. Desta vez parti da baía de Vitória no ES. Acumula Brasil moita experiência elevando balões aerostáticos; e isso me ajudou. Em 2021, a Academia Espírito-santense de Letras celebra o primeiro Centenário da sua fundação, e eu quero estar presente. Por isso, tento voltar ao ponto de partida e avanço até chegar à atmosfera terrestre onde começa a verdadeira descida. Nas cercanias, com as velas em posição horizontal, baixo aos poucos. Vejo, com detalhe, a Cidade Ilha e os arredores marítimos e continentais.
O mar, o campo e as cidades compõem um mapa em relevo. Minha vista penetra nas casas. Vejo pessoas vivendo, sobrevivendo. Vejo cadernos, computadores, livros abertos e fechados, sozinhos ou agrupados. Olho para uma sala vazia com a janela aberta e, junto aos estantes cheios de obras, no escritório, há alguns exemplares. Seus títulos eu consigo ler: Estilo de ser assim, tampouco, Pus, Um, A tabela periódica, Vírgula, Os dias ímpares, Blue sutil e Safira. Uma rajada de vento abre os livros e posso ler:
sonhei que um barco
um Drakkar com vários Vikings
passeava sob as cinco-pontes
mas agora – desperto – vejo um guindaste que pesca containers
o que há nos containers que caem no cais?
uma esperança a mais ou a menos
dúzias de marinheiros ou peixes de bom tamanho
um certo estrangeiro com boas falas e outra língua
ou seriam feixes mais feixes de pontos de interrogação
da ponte que são cinco avisto a cidade de bruços
na noite que me resta e basta
eu luthier para novos instrumentos-acordes e rumos
admiro a cidade – ilha sem Crusoé
porto de dreams e minhas âncoras
Quero segurar a nave, mas uma corrente de ar a eleva. Muito, a meu ver, porque teria querido seguir a leitura de autor tão singular, Sérgio Blank, a quem conheci no IHGES numa apresentação dos seus poemas a cargo do professor Francisco Aurélio Ribeiro.
A nova altura amplia a visão até o ano 1921. De modo que posso ver no Parque Moscoso o Clube dos Boêmios. E no Clube, reunidos até em quatro ocasiões, os mais distinguidos intelectuais capixabas. Enfim, no dia 4 de setembro, uma vez discutido o documento estatuário elaborado por Alarico de Freitas com Elpídio Pimentel e Sezefredo Garcia de Rezende, teve lugar a fundação oficial da denominada, a pedido de Pimentel, Academia Espírito-santense de Letras.
Reclama a minha atenção que após a reunião de 27 de setembro, para aprovar o documento de Regimento Interno elaborado por Aristeu Borges de Aguiar, os proclamados académicos fazem uma pausa que dura até 20 de agosto do ano seguinte.
Maravilha! A nave compensa todos os seus movimentos e fica quieta no ar.
Assim posso ler em Patronos & Acadêmicos de 2014, que no ano 1930 começa um período de inatividade de sete anos. Entre outras causas, a morte de alguns acadêmicos, a marcha à capital da República dos mais ativos e o pouco interesse pela Academia dos jovens escritores.
De fato, os jovens fundam a sua Academia. Escreve Renato Costa Pacheco: “Éramos um grupo de rapazes dedicados às letras. Fundamos a Academia Capixaba dos novos”. Fundação que representa um revulsivo para AEL. Em maio de 1949, Renato Pacheco foi eleito membro da AEL e em julho de 1957 tomou posse. No IHGES entrou em abril de 1953.
Leio no morrodomoreno.com.br, que, em 1973, primeira presidência da AEL do professor Nelson Abel de Almeida, o Presidente corrobora que a imprensa capixaba já não destaca as atividades da Academia como nos primeiros anos, quando Diário da Manhã, Diário da Tarde e A Vitória, publicavam até os discursos dos acadêmicos. Justifica o imobilismo aparente pela falta de recursos. Sobre as acusações segundo as quais a Academia se constitui numa espécie de «panelinha», o professor Nelson Abel de Almeida aduz a falta de interesse dos intelectuais mais jovens em torno de suas atividades.
Estabilizada a nave eu olho e vejo na Casa do Velho, antiguidades, uma senhorita atendendo um cliente. De entre os livros da biblioteca da Bibi Ferreira, toma um que na capa mostra um sol surgindo do mar onde se reflete. Acima, as letras JT’M, e abaixo, Kosciuszko Barbosa Leão Poema.
A atendente mostra a primeira página e aparece uma dedicatória manuscrita:
A Bibi Ferreira
este canto da minha
mocidade, repetido agora
na minha tarde.
Com profunda admiração
Kosciuszkobarbosaleão
22/8/78
Na estaçãocapixaba.com.br encontro, pertencente ao Projeto Digitalização do Acervo Olympio Brasiliense, um documento identificado como ID 299 – Projeto de Residência [modificações], Cidade Alta, Praça João Clímaco, Vitória, proprietário Kosciuszko Barbosa Leão. Novembro de 1952 e abril de 1953.
Salto de alegria. É a esbelta e bela sede atual da Academia, chamada, por isso, Casa Kosciuszko Barbosa Leão, seu generoso doador. Se deslocaram ali as reuniões mensais sendo logo sede própria, quando o Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo foi demolido, perdendo AEL parte do seu acervo e os retratos dos patronos.
Devo dizer, que entendo vasos comunicantes de um todo intelectual, a UFES, mãe nutrícia, as Academias, o lHGES e a Biblioteca Pública Estadual; a colaboração faz importantes ao conjunto e às partes. Daqui vejo a cidade de Vitória como um labirinto de espaços e intersecções, o que confirma minha própria experiência: Entrei nela facilmente, mas não acerto sair. Me sinto em casa.
HOJE
Nas alturas lembro a Maria Beatriz Figueiredo Abaurre, modéstia, inteligência e sensibilidade. Pertenceu a AEL, AFESL e IHGES. Musicista virtuosa e fervorosa escritora, divulgou a cultura capixaba. Semper ascendere. Ainda encontro na internet alguns dos versos que traduzi naqueles tristes momentos tão emotivos da sua morte:
Buscando la Libertad
Poema de Beatriz Abaurre
Traducido por Pedro Sevylla de Juana In memoriam
Quiero estar segura de ser libre
así que no me enseñen códigos.
Comprendan mi sigilo en el dolor y en el amor;
respeten la herrumbre de mis proyectos arrinconados,
mis visitas espontáneas,
mis silencios absurdos, mi tristeza infrecuente.
Sé que tengo el adiós de todos los dioses,
sé que porto conmigo la eterna interrogante
en todos mis sueños soñados y olvidados;
escalones cubiertos de hojas muertas y resecas,
sé que soy un poco de todo,
un poco de nada.
Así que permitan despuntar la amanecida
con mis ojos pegados a la ventana.
Consientan que la soledad se derrita como plomo
en el ardor vital que escondo en mi interior.
No me esperen en un lugar determinado,
pues solo quiero caminar por las calles
como camina cualquiera por las calles.
Solo quiero estar segura de ser libre…
Posso ver o blogue de Jô Drumond https://artigosdajo.blogspot.com/
E nele, uma crônica cada mês, delícia de escrita e de sensibilidade. Tudo o que chama a sua atenção é tratado com perspicácia e admirável capacidade de análise. Em minha biblioteca vivem seus livros, dedicados com essa letra grande e separada, tímida e forte, de intelectual erudita e rigorosa.
Eu leio em mallarmargens.com a minha tradução dos poemas de Jorge Elias Neto dedicados a Miguel Marvilla. Por esses poemas e por uma análise de Ester Abreu me interessou o poeta intenso de Marataízes, o insólito contador de histórias, o fotógrafo e diretor de teatro, o editor comprometido com a qualidade e divulgador da obra dos outros.
De Jorge Elias Neto conheço seu blogue, onde apareceram alguns de meus poemas; e seus livros dedicados com letra enérgica e artística de grande formato. Os seus poemas breves, são, em essência, pensamentos resolvidos e agudos, concisos conceitos luminosos. E na forma: esculturas ágeis se erguendo, se elevando, com efêmera leveza eternizada em aço inoxidável. Isso disse eu em minha análise crítica: A poesia última de Jorge Elias Neto, publicada em Cronopios.com.br
O professor e doutor Francisco Aurélio Ribeiro escreveu o prefácio de meu livro bilíngue Brasil sístoles e diástoles. Por seus artigos quinzenais da Gazeta tenho amplo conhecimento da realidade capixaba imediata. Cerca de cinquenta livros publicados: infantil, contos, crônica e pesquisa, explicam sua capacidade de trabalho e sua bagagem cultural. Dedicou trinta anos ao ensino e cumpriu seu quinto mandato como presidente da AEL, da que é Presidente de Honra. Palestrante ele, e grande divulgador cultural, investigando os fatos do ES sempre encontro seus trabalhos conscienciosos.
Descubro Pedro J. Nunes no seu blogue pedrojnunes.com.br Grande leitor, confessa que passaram 23 anos entre a publicação dos seus livros inicial e segundo; e explica a causa. Leio contos de ambos os livros e compreendo a razão de ser ele um autor tão lido, reeditado e premiado. Em entrevista feita por Joacles Costa, Pedro, entre agudas respostas sobre a linguagem e a leitura, comunica ter sido professor de redação oficial. É sócio do IHGES e escreve na Revista.
Na tertuliacapixava.com.br livros e autores do Espírito Santo, encontro quase todos os escritores que admiro. Me detenho em cada um. Chego a 160 anos de história: Biblioteca Pública do Espírito Santo, acúmulo e difusão do patrimônio cultural capixaba. Agradeço o seu louvável esforço aos criadores da Tertulia; Pedro J. Nunes entre eles.
Em https://gtneves.blogspot.com/, Getúlio Marcos Pereira Neves escreve uma análise laudatória de Sérgio Blank: azul, poeta, acadêmico sutil. Nela se refere, também, ao trabalho das Academias de Letras, esclarecendo o conceito de imortalidade atribuída aos acadêmicos. Aos 56 anos, Getúlio Neves já foi quase tudo no exercício da justiça. Possui estudos e práticas em áreas muito diversas, a modo do homem do Renascimento. Como guitarrista e compositor participou na formação da banda Urublues, com dois CDs gravados de canções próprias. Tomou posse na AEL em setembro de 2005 e é membro de outras Academias. Pertence ao Pen Club do Brasil e tem publicados trabalhos muito variados: artigos, discursos, ensaio, novela, poesia, história, etc. Desde 1997 é sócio efetivo do IHGES e correspondente de outros Institutos. E desde 2008 preside essa Instituição à que pertencem acadêmicos da AEL, colaboradores na magnífica Revista, ISSN 1981-9528.
Acadêmico da Cadeira 40 na AEL, conheci Anaximandro Oliveira Santos Amorim na reunião Pré Flic realizada em Jacaraípe, Serra. Conversamos e ele me causou uma grata impressão. Foi membro fundador da Academia Jovem Espírito-santense de Letras no início do século, com Leonardo Passos Monjardim como primeiro presidente, 25 acadêmicos e os correspondentes patronos. A AJEL em todo momento teve a colaboração de AEL e IHGES. A promessa que representava Anaximandro Amorim se foi concretizando como um poeta, ensaísta e romancista valente, capaz de abordar qualquer tema e tratamento com verdadeira solvência. Em minha análise de sua escrita pensei ter visto duas almas que se complementam. Pertence a diversas Academias e Organizações estaduais e é sócio da IHGES.
Depois de meu percurso leitor pela história da AEL e seus protagonistas, entendo que a função acadêmica continua progredindo, apesar de persistir os problemas de sempre, talvez inerentes e irresolúveis. Estamos prestes a iniciar a celebração do Centenário e já se vê o alegre alvoroço organizado. Em janeiro de 2020 assumiu a presidência a professora doutora Ester Abreu Vieira de Oliveira, cujos méritos explico utilizando versos de meu conterrâneo Jorge Manrique:
sus hechos grandes y claros
no cumple que los alabe,
pues los vieron;
ni los quiero hacer muy caros
pues que o Estado todo sabe
cuáles fueron.
Assim, Ester Abreu, se apoiando em uma Diretoria comprometida, em os acadêmicos de cadeira e membros correspondentes, dará forte impulso à instituição. Agradeço a Ester Abreu boa parte do meu conhecimento do capixaba e do meu carinho a esta terra que deu novo estímulo a minha vida e a minha obra.
Ponho as velas da nave Nova Era em posição inclinada, e desce até flutuar na baía de Vitória. Se aproxima ao pé de O Penedo, assisto à reunião presencial do 14 de dezembro no “Solar da Ester”, e fico ancorado esperando o início do ano 2021 com a ideia de passar aqui o Centenário da AEL para colaborar no que esteja ao meu alcance. https://pedrosevylla.com/
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Praia de Camburi, espaço de arribadas
Poema de Pedro Sevylla de Juana
Água de mar feita espuma
terminal e instável; explosivas
borbulhas sobre os grãos
dessa areia que é prólogo e epílogo,
logradouro de entrelaçados
ritmos mutáveis dos passos múltiplos,
palmeiras
firmes,
erguidas,
escuro asfalto ardente
e elevadas torres cidadãs
origem de miradas
extensas, intensas, satisfeitas.
Na cerimônia de aproximação
eu vi a fita completa desde o ar
ao aterrissar no vizinho aeroporto
Eurico de Aguiar Salles
onde encontrei a bagagem perdida em Guarulhos,
milagre ainda não explicado
pela ciência mais prática.
Com a satisfação de ter chegado
ao sonho vivido em vários sonos
vi a longa e estreita tira
abraçada pela água e os veículos,
crescendo ao comprido como única
solução possível
para seu afã expansivo
e a luminosidade respeitosa.
A soube logo
praia ilustrada como os frisos das aulas,
como os pássaros do campus
pela sua proximidade à UFES
onde conferenciei ao redor de minha escrita
e sobre Ibéria e sua consequência:
Universo ibérico
aliança de enorme projeção nesse
aglomerado americano de ideias e culturas,
sul do norte, centro, verdadeiro sul, em dois idiomas
principais, minhas duas pátrias.
Atalaias de edifícios vicinais,
carros avançando em ordem aleatória
sobre um pavimento de ida e volta
que descansa nos domingos;
passeio povoado de aguadeiros de coco,
pedestres descuidados e ondulantes bicicletas.
Fotografei um homem,
africano ainda e já brasileiro íntegro,
elevado ele sobre dois patins e sorrindo
ao fazer uma quebra amigável
que ajudava a alinhar
minha momentânea confusão.
Mar, mar, mar
inseparável companheiro da praia, cúmplice
desse amor desejado e impossível;
árvores e arbustos famintos de afetos
sobre areia incontável,
fina língua disgregada em finos grãos
e água chegada em ondas moribundas,
agonizantes
séculos e séculos, noite e dia;
Praia de Camburi, domesticada orla,
caminho
vereda
senda
relações pessoais, esportes, dança, vida
lugar do mundo situado
em Vitória ES Brasil.
Praia continental que procura
o amoroso encontro
com a Ilha de solidão:
bastião forte,
castelo outrora inexpugnável
e hoje quase península,
pontes que são braços
de seda ou amarras de navio.
Amável Praia de Camburi:
areia,
areia,
areia
milímetros, centímetros, decímetros, metros;
decâmetros, hectómetros, quilómetros
de areia, areia, areia, seis
quilómetros para caminhar,
correr, saltar, praticar ou ver
os jogos de equipa confrontados
em nobre lide.
Jovens esculturas de carne e osso,
homens e mulheres de combinadas
origens levam ao limite as inesgotáveis
possibilidades que oferece a praia:
Roma humana e viva, Atenas
de esbeltos corpos íntegros;
atletas e ginastas,
cabeça, corpo
e extremidades
ativos,
vivos,
sangue e nervos,
músculos ungidos
em conjunção insuperável.
Areal de nascimentos, crescenças e agonias,
de abraços amigáveis e amorosos,
mãos à conquista da pele
bocas famintas de antigas expressões
amor em todas formas e intensidades.
Água contaminada de resíduos
humanos e desumanos,
sob o céu azul com pinceladas
cinzentas, esbranquiçadas, turvas.
Aves marinhas sobrevoando as moribundas
ondas
me comovem hoje tanto como
os peixes ao engolir o anzol coberto de isca
que os pescadores lançam desde o píer
da Orixá Yèyé omo ejá, dita aqui Iemanjá,
mãe dos peixes
filhos seus capturados nesse espaço.
Orla húmida de pegadas antigas,
amanhecer do primeiro dia
da Nova História,
quando as músicas Tupinambá e Tupiniquim
soavam no confim oriental
e foram silenciadas de repente
pelo arribo dos indefiníveis conquistadores:
espada e cruz sobre armaduras
a cavalo
falantes da língua portuguesa
vencedora final da resistente tupi-guarani
arengas e orações
versos de Anchieta:
evangelizador enraizado na Castela
daqueles nobres camponeses
dos que provenho.
Tenho visto nascer o sol magnífico
se elevando sobre Tubarão como uma hóstia
no ato da transubstanciação,
mãos do sacerdote alçadas
desde essa margem terminal,
que é ponta
e cabo
conformando a extensa baía.
Meu coração, em sua parte capixaba,
se despede na distância a cada ano do ano
velho que se vai à intangível inspiração:
água, areia, fogo,
ar
e tempo:
os cinco elementos se fazendo unidade
inseparável.
Mitifiquei essa praia de contrastes
e tanto, tanto a sinto,
tão palpável
e tão vivo guardo ainda o seu recordo
que, as minhas saudades
muitas noites nela me sonham.
PSdeJ Vitória ES, novembro de 2016
Playa de Camburi, espacio de arribadas
Pedro Sevylla de Juana
Agua de mar hecha espuma
terminal e inestable;
explosivas
burbujas sobre los granos
de esa arena que es prólogo y epílogo,
paseo de entrelazados
ritmos cambiantes
de los pasos múltiples,
palmeras estables,
enhiestas,
oscuro asfalto caliente
y elevadas torres ciudadanas
origen de miradas
extensas, intensas, satisfechas.
En la ceremonia de aproximación
vi la cinta completa desde el aire
al tomar tierra en el vecino aeropuerto
Eurico de Aguiar Salles
donde encontré el equipaje perdido en Guarulhos,
milagro aún no explicado
por la ciencia más práctica.
Con la satisfacción de haber llegado
al sueño vivido en varios sueños
vi la larga y estrecha tira
abrazada por el agua y los vehículos,
creciendo a lo largo como única
solución posible
para su afán expansivo
y la luminosidad respetuosa.
La supe luego
playa ilustrada como los frisos de las aulas
como los pájaros del campus
por su proximidad a la UFES
donde conferencié alrededor de mi escritura
y sobre Iberia y su consecuencia:
Universo Ibérico
alianza de enorme proyección en ese
aglomerado americano de ideas y culturas
sur del norte, centro, verdadero sur, en dos idiomas.
principales, mis dos patrias.
Atalayas de edificios vecinales,
automóviles avanzando en orden aleatorio
sobre un pavimento de ida y vuelta
que descansa los domingos;
paseo poblado de aguadores de coco,
peatones descuidados y ondulantes bicicletas.
Fotografié a un hombre,
africano aún y ya brasileño íntegro,
elevado sobre dos patines y sonriendo
al hacer un quiebro amistoso
que ayudaba a alinear
mi momentánea confusión.
Mar, mar, mar
inseparable compañero de la playa,
cómplice
de ese amor deseado e imposible;
árboles y arbustos hambrientos de afectos
sobre la arena incontable,
delgada lengua disgregada en finos granos
y agua llegada en olas moribundas,
agonizantes,
siglos y siglos, noche y día,
Playa de Camburi, domesticada orla
camino
vereda
senda
relaciones personales, deportes, danza, vida,
lugar del mundo situado
en Vitória ES Brasil.
Playa continental que busca
el amoroso encuentro
con la Isla de soledad,
bastión fuerte,
castillo otrora inexpugnable
y hoy casi península,
puentes que son brazos
de seda o amarras de navío.
Amable Playa de Camburi:
arena
are
na
arena;
milímetros, centímetros, decímetros, metros;
decámetros, hectómetros, kilómetros
de arena, arena, arena,
seis
kilómetros para caminar,
correr, saltar, practicar o ver
los juegos de equipos confrontados
en noble lid.
Jóvenes esculturas de carne y hueso,
varones y hembras de combinados
orígenes llevan al límite las inagotables
posibilidades que ofrece la playa:
Roma humana y viva, Atenas
de esbeltos cuerpos íntegros,
atletas y gimnastas,
cabeza, cuerpo y extremidades
activos,
vivos,
sangre y nervios,
músculos ungidos
en conjunción insuperable.
Arenal de nacimientos, desarrollos y agonías,
de abrazos amigables y amorosos,
manos a la conquista de la piel,
bocas hambrientas de antiguas expresiones
amor en todas sus formas e intensidades.
Agua contaminada de residuos humanos
e inhumanos
bajo el cielo azul con pinceladas grises,
blanquecinas, turbias.
Aves marinas sobrevolando
las moribundas olas,
me conmueven hoy
tanto como los peces al engullir
el anzuelo cubierto de cebo,
que los pescadores lanzan desde el muelle
de la orisa Yèyé omo ejá,
dicha aquí, Iemanjá,
madre de los peces,
hijos suyos
en ese espacio capturados.
Orla cuajada de antiguas huellas,
amanecer del primer día
de la Nueva Historia,
cuando las músicas tupinambá y tupiniquim
sonaban en el confín oriental
y de pronto fueron silenciadas
por el arribo de los indefinibles conquistadores:
espada y cruz sobre armaduras a caballo
hablantes de la lengua portuguesa
vencedora final de la resistente tupí guaraní
arengas y oraciones
versos de Anchieta:
evangelizador enraizado en la Castilla
de aquellos nobles campesinos
de los que provengo.
He visto nacer el sol magnífico
elevándose sobre Tubarão como una hostia
en el acto de la transustanciación
manos del sacerdote alzadas
desde esa orilla terminal,
que es punta
y cabo
conformando la extensa bahía.
Mi corazón, en su parte capixaba,
se despide en la distancia cada año del año
viejo que se va a la intangible inspiración:
agua, arena, fuego
aire
y tiempo:
los cinco elementos haciéndose unidad
inseparable.
Mitifiqué esa playa de contrastes
y tanto, tanto la siento,
tan palpable
y tan vivo guardo aún su recuerdo
que, mis saudades,
muchas noches en ella me sueñan.
PSdeJ Vitória noviembre de 2016
Rev. Acad. Espírito-santense de Letras, Vitória, v.25, p. 105, 2020
Dilúvio na resseca terra da fome
Pedro Sevylla de Juana
Escritor e poeta espanhol, publicou vinte e oito livros e é membro correspondente da AEL.
Com uma pena de cálamo partido,
o homem desguarnecido se acastela,
pó em água diluído,
tinta viscosa surgida da testa.
É uma pluma somente
e a branca superfície do papel
em seta, em adaga a converte;
a palavra que perfilo é um ipê
lançado contra o céu inexpugnável e inclemente,
para desaguar, face e invés,
seus transbordantes recipientes.
Vão sendo as seis e o ativo povo
-do acampamento alçado num córrego ressequido-
em círculos de pedra aviva o fogo,
e com a tranquilidade de quem ignora os perigos,
apressa lidas diferidas pelo breve ócio
ou desprega lembranças dos tempos idos.
Placas de lata formam tetos e paredes,
entulhos de algum derrubo, tabelas rompidas,
frágil refúgio destinado a proteger da intempérie.
O vento avisa com seu assobio ralo,
um cheiro de crisântemo vivo
vem do Norte carregado de presságios:
calaram-se os grilos
e os pardais agitados
revolteiam em círculo.
Recolhe raios o sol, embainha sua soberba,
retrocede e foge dos horizontes nublados
embutidos em armaduras pretas,
guerreiros sobre apocalípticos cavalos
que manifestam uma cólera densa.
Urgidas galopadas das pernas,
a primeira gota inaugura o desconcerto,
cauta emissária das companheiras,
as que ocultam o sol fátuo e incerto
esperando instruções mais concretas.
Chove a negrura que a perspectiva afasta,
nos confines se confundem as linhas de chegada e de partida,
piscando resplendores se agita o deus da borrasca
visos perversos que agigantam as vistas,
numa tarde de verão bem bastarda.
Presto o altar, a oblação desconhece os desígnios;
procissões de nuvens chegam ao lugar dos fatos
seguindo a ordem imutável dos avisos.
As temperaturas elevadas,
necessitadas de paciência,
perfuram a barreira da exígua enramada;
os indômitos vales desfocados centelham
e desde o alto das nuvens altas
desordenadamente desce a tragédia.
Descobre o olho torvo em solitária cavalgada,
o temor oculto dos campos às ingratas sementeiras;
neste lugar o mau augúrio aguarda,
em toda parte a ferida fica aberta,
por ali chega a morte acaçapada,
suspeitada e, sem embargo, manifesta.
As gotas compõem milhões dilatados
e uma sozinha é vida no deserto,
adição do mar não desbordado;
uma gota não é perigo verdadeiro,
nem cem juntas, nem mil vezes um vaso.
Com quatro nuvens irritadas se forma uma tormenta,
três tormentas cabem num vale,
são três os vales convergentes, e mais de quarenta
as nuvens que acumula a grande nuvem resultante.
Toneladas de água vão ressoprando a galerna,
ingente quantidade de metros cúbicos desprendidos da altura,
uma fortuna se cai no lugar da carência:
terra resseca e esquartejada,
balbuciante agricultura,
feijões, tubérculos, centeio, aveia
erva agostada e murcha,
alimento que salva da morte verdadeira
protegendo da fome uma temporada curta.
Apedrejam as nuvens com ouro a puna e a savana,
centos de milhões de onças caem no absorvente solo,
valioso pasto para milhares de vacas
que morreriam num jejum novo.
Água vai!: exclama o céu perto da porta,
e a nuvem total, o universo inteiro, as líquidas esferas,
abrem as comportas e em menos duma hora
cai destruidora a água chegada de todos os planetas.
Os pés não encontram solo, se dissolve a terra,
todo é líquido solto e sua força de arrasto,
arrasta rolando as roladas pedras.
Os ramos se desgalham de choupos e albízias
troncham-se os caules das plantas,
o deus da morte exige um centenar de vítimas
e a dor das sobrevivências rasgadas.
Há famílias abaixo, pessoas de todas as idades,
borbotões de sensibilidade e de ternura,
cachorros e gatos em plena liberdade,
utensílios, úteis de pesca, ferramentas rústicas,
amor à Natureza muito grande.
Se volta contra o homem o enxoval diário,
arrasa arrasado e é espada;
é martelo, é estaca, é maço;
é machado violento, é cortante navalha.
Resistem os valentes esbanjando brios
e agonizam em tentativa vã de minorar o desamparo
impelindo os mortos aos vivos
enquanto escapam os covardes ficando salvos.
Troca-se a terra em pegajoso limo,
formam dique as lenhas e as pedras,
fixação de mares bem nutridos;
e num instante que os fados desprezam
escapam os desbordantes fluidos.
Exaltados relinchos de cavalo
das gargantas irrompem fugitivos,
bramidos de touro ensanguentado
e desgarradores gritos
nascidos do sofrimento desumano
elevam sua queixa ate o divino.
É angustiosa a impotência,
e depois do instante eterno que dura a agonia,
insultam os feridos a quem executa a sentença.
A morte forma feixes de corpos:
mãos unidas às mãos,
braços suspendidos dos pescoços,
rostos pegados aos lábios,
dentes mordendo o nervo afetuoso
do amor apaixonado.
São alicerces os troncos em carne viva abertos,
suportando o peso dos muros derrubados,
dos precipitados tetos.
As lascas, incisivas como alfanjes,
e as árvores arrancadas da terra mãe,
são armas para o descomunal gigante
que vomita a água dos sete mares
sobre pessoas acostumadas ao abuso do grande.
Quando o céu aclara sua cor e o temporal decresce,
oferecendo evidências ficam os despojos:
cabeças aplastadas por pedras inocentes,
extremidades presas debaixo dos escombros,
ventres inchados sobre desnutridos ventres,
corpos oprimidos cobertos de lodo.
O lodo, o lodo, o lodo detido;
o lodo desprende de seu seio improvisado,
a expectativa de encontrar algum respiro
e o fedor dos restos putrefatos.
Os cadáveres descobertos pela água,
são empurrados rio abaixo,
até o espaço que acolhe na enseada,
o varro e a madeira, os seixos rolados.
O amanhecer acorda destruído:
a batalha desigual -só um bando-
tem deixado um esplendor despido,
coberto por membros descarnados,
de impossível retorno aos caminhos.
Nos morros inclinados, nos rochedos,
nas sumidas adjacências,
nos álveos lisos dos rios secos,
alçam os párias da terra,
seus arraiais efêmeros, as frágeis vivendas.
E o céu castiga
sua extrema pobreza
e a ousadia.
(PSdeJ, Diversos lugares desde o ano 2011)
Traducción
Diluvio en la reseca tierra del hambre
Con una pluma de cálamo partido,
el hombre desguarnecido se defiende,
polvo en agua desleído,
tinta viscosa surgida de su frente.
Es una pluma solamente
y la blanca superficie del papel
en flecha, en daga la convierte;
la palabra que perfilo es un ciprés
lanzado contra el cielo ilusorio e inclemente,
para desaguar, haz y envés,
sus rebosantes recipientes.
Van siendo las seis y el campamento
-alzado en la madre de un torrente dormido-
en círculos de piedra aviva el fuego,
y con la placidez de quien ignora los peligros,
apura faenas diferidas por el breve asueto
o desata recuerdos de los tiempos idos.
Planchas de hojalata forman techos y paredes,
cascotes de algún derribo, tablas rotas,
refugio destinado a expulsar a la intemperie.
El viento lo avisa con su silbo ralo,
un olor a crisantemo marchito
viene del Norte cargado de presagios:
se han callado los grillos
y los gorriones turbados
revolotean en círculo.
Recoge rayos el sol, envaina su soberbia,
retrocede y huye ante ejércitos de nubes
embutidas en armaduras prietas,
amazonas sobre corceles infernales
que hostigan una cólera densa.
Urgidas galopadas de las piernas,
la primera gota inaugura el desconcierto,
cauta avanzadilla de sus compañeras,
las que ocultan el sol fatuo e incierto
esperando instrucciones más concretas.
Llueve la negrura que aleja la esperanza,
se enredan las líneas de llegada y de partida,
retador se agita el dios de la borrasca
visos perversos que agigantan lejanías,
en una tarde de verano bien bastarda.
Presto el improvisado altar,
la ofrenda desconoce los designios;
hileras de nubes van llegando al lugar
siguiendo el orden inmutable del aviso.
Las temperaturas elevadas, faltas de paciencia,
perforan la barrera de la exigua enramada;
los indóciles montes desdibujados centellean
y desde lo alto de las nubes altas
ordenadamente se dispone la tragedia.
Descubre el ojo torvo en solitaria cabalgada,
el temor del campo a las malas cosechas;
por doquier el mal augurio aguarda,
por doquier la herida se sincera,
por doquier la muerte presentida,
insospechada y, sin embargo, manifiesta.
Son millones las gotas
y una sola es vida en el desierto,
añadidura del mar no desbordado;
una gota no es peligro verdadero,
ni diez juntas, ni mil veces un vaso.
Con cuatro nubes se forma una tormenta,
tres tormentas caben en un valle,
son tres los valles convergentes, y treinta
las nubes que acumula la nube resultante.
Toneladas de agua resopla la galerna,
infinidad de metros cúbicos caídos de la altura,
una fortuna si se lleva al lugar de la carencia:
tierra reseca y cuarteada, enerve agricultura,
fréjoles, tubérculos, centeno, avena
hierba agostada y mustia,
alimento que salva de la muerte cierta
protegiendo un tiempo breve de la hambruna.
¡Agua va!: exclama el cielo como en broma,
y la nube total, el universo de líquidas esferas,
abren las compuertas y en menos de una hora
cae el agua reunida por todos los planetas.
Los pies no pisan suelo, se disuelve la tierra,
todo es líquido suelto y su fuerza de arrastre,
arrastra rodando las rodadas piedras.
Las ramas se desgajan de chopos y de encinas
se tronchan los tallos de las plantas,
el dios de la muerte exige cien víctimas
y el dolor de las supervivencias desgarradas.
Hay familias abajo, niños de todas las edades,
borbotones de sensibilidad y de ternura,
mansos humanizados animales,
enseres, útiles de pesca, herramientas rústicas,
amor a la Naturaleza inmensurable.
Se vuelve contra el hombre el ajuar diario,
arrasa arrasado y es espada;
es martillo, es estaca, es mazo;
es hacha violenta, es hiriente navaja.
Resisten los valientes derrochado brío
y agonizan intentando remediar el abandono
alentando a los muertos en los vivos
mientras huyen los cobardes y se salvan solos.
Trócase la tierra en pegajoso limo,
los leños y las piedras se hacen presa,
sujeción de mares bien nutridos;
y en un momento que la fatalidad desdeña,
suelta el incontenible contenido.
Exaltados relinchos de caballo
de las gargantas escapan fugitivos;
los bramidos de toro ensangrentado
y los desgarradores gritos
expresan la cicatriz del desengaño
y la crueldad del espejismo.
Es abrumadora la impotencia,
y tras el instante eterno que dura la congoja,
insultan los heridos a quien dicta la sentencia.
La muerte forma haces de cuerpos:
manos enlazadas a las manos,
brazos colgados de pescuezos,
cuellos pegados a los labios;
mordiendo los dientes el sensitivo nervio
del amor enamorado.
Troncos abiertos en canal se hacen cimientos,
y soportan el peso de los muros derribados,
de los precipitados techos.
Las astillas, incisivas como alfanjes,
y los árboles arrancados de cuajo,
son armas para el descomunal gigante
que vomita el agua de los siete mares
sobre gentes hechas al abuso de lo grande.
Cuando el cielo clarea y el temporal decrece,
ofreciendo evidencias quedan los despojos:
cabezas aplastadas por piedras inocentes,
extremidades presas bajo escombros,
vientres hinchados sobre desnutridos vientres,
cuerpos oprimidos rebozados en el lodo.
El lodo, el lodo, el lodo detenido;
el lodo desprende de su seno improvisado,
la expectativa de encontrar algún respiro
y el hedor de los restos putrefactos.
Los cadáveres preferidos por el agua,
son arrastrados río abajo,
hasta el delta que acoge en la ensenada,
el barro y la madera, los cantos rodados.
El amanecer amanece destruido:
la batalla despareja -sólo un bando-
ha dejado un esplendor corito,
cubierto por miembros descarnados,
de imposible retorno a los caminos.
En los morros verticales descubiertos
en el cauce yermo de las vacías torrenteras,
en los meandros de los ríos secos,
levantan los parias de la tierra,
sus pobres campamentos,
sus frágiles viviendas.
Y el cielo los castiga
por su extremada pobreza
y su osadía.
PSdeJ, diversos lugares desde el año 2011
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